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Perda Auditiva Induzida (SÓ) pelo Ruído?

O ruído é normalmente apontado como o causador da perda auditiva. Até que ponto é possível atribuir a diminuição da capacidade auditiva única e exclusivamente a este agente físico?

O decreto-lei n.º 182/2006 de 6 de Setembro, referente às prescrições mínimas de segurança e saúde no que se prende com a exposição dos trabalhadores aos riscos devidos ao ruído menciona, a dada altura, que as substâncias químicas existentes nos locais de trabalho podem ser ototóxicas, ou seja, induzir efeitos negativos nos órgãos da audição, o que se poderá traduzir num risco acrescido quando em conjugação com a exposição ao ruído.

A questão que provavelmente está a colocar por esta altura é:

O que são os efeitos ototóxicos, qual o mecanismo de por trás deste efeito nocivo sobre o nosso organismo e quais são as substâncias que poderão induzir este efeito?

Qualquer dicionário poderá responder-lhe à primeira parte da pergunta:

Ototóxico – que tem efeito tóxico sobre o sistema auditivo e o equilíbrio.

Segundo EDMUNDS, A. L., a ototoxicidade refere-se ao dano causado à cóclea ou ao labirinto vestibular devido à exposição a uma fonte química que possa resultar em perda auditiva ou desequilíbrio. A ototoxicidade despertou interesse clínico aquando da descoberta da estreptomicina por Selman Abraham Waksman em 1943. A estreptomicina foi utilizada com sucesso no tratamento da tuberculose, contudo, observou-se que após o tratamento com a substância em causa, um número considerável dos pacientes tratados desenvolveram uma disfunção coclear e vestibular irreversível. Este facto acoplado com a ototoxicidade associada posteriormente aos aminoglicosídeos, antibióticos bactericidas activos contra a maioria das bactérias aeróbias gram negativas [1] esteve na origem de muita pesquisa clínica e científica, nomeadamente no que se refere aos princípios etiológicos e mecanismos da ototoxicidade.

A ototoxicidade está associada a perda auditiva sensoneural bilateral nas altas frequências bem como ao tinnitus. Esta perda auditiva pode ser temporária mas, na maioria dos casos, é permanente.

A ototoxicidade originada pela toma de antibióticos tende a ser bilateral e simétrica podendo contudo ser assimétrica.Não é possível prever o início da perda auditiva mas crê-se que esta pode ocorrer após a toma de uma dose única. Por outro lado, a perda auditiva poderá manifestar-se até algumas semanas e meses após a toma dos antibióticos.

Contudo, muitos agentes químicos causam dano nas células ciliadas, localizadas no órgão de Corti. Isto origina uma perda auditiva inicialmente nas altas frequências e posteriormente nas baixas frequências.

O dano causado ao labirinto vestibular é um efeito adverso decorrente da toma de antibióticos aminoglicosídeos que poderá manifestar-se, numa fase inicial por nistagmo (oscilações involuntárias dos olhos) posicional. Nos casos mais graves, a toxicidade no labirinto vestibular poderá originar desequilíbrio e oscilopsia. A oscilopsia é causada pelo dano bilateral do sistema vestibular e consiste na incapacidade do sistema ocular em manter um horizonte estável dando a sensação que de os objectos estão a “balançar”.

Adicionalmente aos efeitos ototóxicos que se vão manifestando no nosso organismo decorrentes dos medicamentos que nos são prescritos durante a nossa vida existem também os efeitos ototóxicos decorrentes da exposição ocupacional.

A título exemplificativo poderá referir-se o Health Hazard Evaluation Report realizado pelo National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH) segundo o qual foram realizados testes audiométricos a 400 bombeiros. Segundo TUBBS (1995), apenas 40% dos indivíduos empregados há 6 anos obtiveram resultados nos testes audiométricos considerados normais, sendo que nenhum dos indivíduos empregados há 20 anos obteve, nos testes realizados, valores normais. Notou-se que a população em estudo apresentou valores de Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR) substancialmente mais elevados do que o que seria expectável face ao nível de exposição ao ruído. Foram apontadas várias explicações para o sucedido entre as quais se refere que a interacção dos produtos químicos existentes nos locais de incêndio com o ruído.

A interacção entre agentes, físicos, químicos ou biológicos pode ocorrer devido à potenciação dos mecanismos de toxicidade individuais e é particularmente importante para esta temática, especificamente o efeito aditivo e o efeito sinergético. A exposição a agentes com efeito aditivo traduz-se na soma aritmética dos seus efeitos individuais, os efeitos sinergéticos referem-se aos casos em que o efeito final é substancialmente superior à soma aritmética dos efeitos individuais dos agentes em causa.

No caso do ruído, este pode alterar a distribuição de agentes na cóclea ao fazer variar a circulação sanguínea ou a utilização de substratos metabólicos, o ouvido interno poderá também sofrer lesões que facilitem a entrada de substâncias nocivas na cóclea.

FECHTER, L. D., refere estudos laboratoriais comprovam a ocorrência de uma potenciação substancial da PAIR na presença de ambos os agentes, o ruído e o monóxido de carbono, de cerca de 60 dB nas frequências mais elevadas. Comparativamente a PAIR originada exclusivamente por ruído ficou em valores abaixo dos 20 dB. No que se refere à perda de células ciliadas, registou-se que a combinação dos dois agentes obteve valores mais elevados de perda do que a soma da perda causada pelos agentes separadamente.

A existência destes e outros estudos, demonstra que a interacção entre agentes é considerada cada vez mais relevante no que se refere à Saúde Ocupacional.

O que se pretende não é minimizar a contribuição do ruído na perda auditiva. É do conhecimento geral que o ruído é um famoso e eficaz redutor da capacidade auditiva. Contudo descurar os malefícios decorrentes da sinergia entre vários agentes, neste caso específico ruído e agentes químicos, pode incorrer numa pena demasiado elevada, a saúde de qualidade de vida de todos nós. Posto isto, o que se pede é que o diagnóstico de situações de perda auditiva não seja simplificado através de uma associação imediata e exclusiva à exposição ao ruído, especialmente quando está confirmada a existência de outros agentes.

JGS

Apresentam-se aqui alguns agentes considerados ototóxicos à luz do conhecimento científico actual, de acordo com algumas fontes credíveis:

  • Arsénico
  • Dissulfeto de Carbono
  • Monóxido de Carbono
  • Chumbo e derivados
  • Manganês
  • Mercúrio e derivados
  • N-Hexanos
  • Estireno
  • Tricloroetileno
  • Tileno
  • Tolueno
  • Xileno
  • Metais Pesados
  • Asfixiantes
  • Álcool
  • Nicotina (no tabaco)
  • Alguns anti-inflamatórios não-estróides
  • Antibióticos aminoglicosídeos
  • Alguns Diuréticos de ansa

[1] De acordo com o referido no Prontuário Terapêutico.